A seleção brasileira foi eliminada da Copa do Mundo de 2010, ao perder nas quartas-de-finais contra a Holanda, mas a derrota de hoje foi urdida lá atrás quando Dunga preferiu continuar fiel às suas origens e cedeu a uma coerência cega que nos impediu de disputar a Copa do Mundo conforme a essência do jogo brasileiro. Dunga preteriu um eventual sopro de talento dentro do campo pelo calor febril de um grupo fechado por jogadores eficientes, mas medíocres. Assim ganhou e – da mesma maneira, perdeu.
Antes de incorrer no erro de sucumbir à sedução quase irresistível de chutar cachorro morto, é preciso analisar o contexto da chegada de Dunga à seleção para poder entender um pouco sobre sua episódica saída. Em 2006, chegávamos à Alemanha para disputar uma Copa do Mundo como protagonistas do Jogo Bonito: Dunga era comentarista da TV Bandeirantes, Ronaldinho Gaúcho, o melhor do mundo e contávamos com um inegável favoritismo credenciado por entre outras vitórias, uma goleada de 4x1 sobre a Argentina, na final da Copa das Confederações.
A Copa do Mundo começou, o Brasil fez jogos insossos contra adversários fracos até sair nas mesmas quartas-de-finais de agora. E onde Dunga entra nessa história? Entra pelo mesmo lugar em que saíram Roberto Carlos ajeitando a meia e Felipe Melo tirando a munhequeira: a porta-dos-fundos. A proverbial porta-dos-fundos, por onde entraram também teses como a “escalação forçada” de Ronaldo em 98 e o bode expiatório da preparação desastrada em Weggis. Tudo para encobrir o verdadeiro problema: insistir no erro para travesti-lo de coerência.
Assim como Parreira, que preferiu contrariar as evidências e morreu abraçado com o peso extra que carregou no embarque à Copa, Dunga também preferiu se entrincheirar em suas convicções. Chegou à seleção como exterminador do Jogo Bonito, talhado para fazer contra-ponto a tudo que a seleção de 2006 tinha – de bom e de ruim, deu subsídios para a metamorfose da seleção em time de guerreiros: forjados no sofrimento e com sede de justiça, à imagem de seu comandante, prontos para se impor aos inimigos – não necessariamente vencê-los.
Apostou tudo na arte da guerra, na eficiência do futebol circunstancial e privou seus guerreiros dos encantos da arte de seduzir.
Hoje, Dunga tira o time de campo com muito mais acertos do que erros. A maior de suas vitórias foi devolver o orgulho aos jogadores que vestem a camisa da seleção. Uma vitória sua, compartilhada a fórceps por muita gente. Agora ao perder, Dunga devia se dar conta de que um time, as vezes, não precisa de inimigos para perder uma Copa – nem os reais com 11 jogadores em campo, nem os imaginários que atormentam o espírito sem que câmeras e microfones os captem.