a coca-cola foi criada para servir como xarope e virou ícone da indústria cultural. um incêndio no milharal criou a pipoca. ou seja, nem se importe em procurar sentido em tudo porque em um simples comando sua vida muda pra sempre
21 de nov. de 2004
DOIS TERÇOS DA VIDA
Bruno Medina é tecladista do Los Hermanos e autor do Instante Anterior
DE OLHOS BEM FECHADOS
– Bora rapaz, deixa de preguiça e vai lá comprar o pão. Pode ficar com o troco. Só faltam 15 figurinhas, né?
Olhei pro relógio. Peraí...O rádio relógio que tinha sido queimado com as velas estava lá inteirinho marcando quinze pras cinco. E o quarto...As paredes cheias de forminhas de gesso, com desenhos de arco-íris, ursos e outros mimos. Minhas irmãs pequenas correndo pelo beco, pus o rosto na janela e ouvi aqueles gritos misturados a sorrisos incessantes, um banho de mangueira.
Como é possível? – Pensei alto comigo.
Minha mãe passou por mim como um reflexo, os cabelos mais longos que da última vez que a tinha visto.
– Pede dois pães brotes. Teu pai te deu o dinheiro do cigarro?
Eu corri pro espelho. Mas tava tudo bem, era eu mesmo.
Decidi ir pra rua conferir se estava tudo daquele jeito de novo. Vi o portão marrom manchado pela purpurina do carnaval. O sol estava descendo, mas era forte. Quando ia saindo, Isabel, a nossa empregada que havia vendido a filha para uma família americana de Portland, me perguntou: – Menino, tu não vai de bicicleta não? Olhei pra trás e ela lá estava sorrindo pra mim com aquele buço que eu achava tão feio. E continuava feio mesmo. Corri e peguei a bicicleta, há 13 anos que eu não preciso mais de bicicleta. E era a mesma bicicleta azul de raios brilhantes de zelo, a sela agora desconfortável e aquela velha novidade do guidão reto. A sacola na mão. Os olhos fixos em tudo que se passava no caminho. Um clima bom de lembrar e constatar. Estava tudo realmente do mesmo jeito, como foi, como tinha sido. Eu era a exceção. Eu não podia estar ali, não podia ser eu. Cheguei na padaria e aquele cheiro do trigo, de coisas deliciosas assadas naquele forno que eu nunca tinha visto. Pedi os pães, não esqueci dos brotes. E também não esqueci de pedir o cigarro Free com aquele filtro longsize. Sempre pedi aquilo e nunca entendi porque. Meus pais não gostavam. Mas eu também não. Odiava o fato dos dois fumarem. Pedia de propósito por pura excentricidade. Paguei. Recebi o troco.
Subi na bicicleta e voltei pra casa já ambientado. Pessoas me reconheceram no caminho. Soltei as duas mãos do guidão. Vento no rosto e a volta daquela sensação incomparável de desafio.
Fui chegando em casa, freando a bicicleta até parar em frente ao portão. Pus os olhos pra dentro da nossa velha casa. Vi de novo minhas irmãs correndo feito loucas, papai deitado no chão descansando das férias refrescantes da praia e ao fundo o som dos engenhos culinários que mamãe preparava. Tão bom. Tanta saudade que fechei os olhos.
Sabia que quando os abrisse de novo, nada daquilo existiria mais. Jamais imaginei que pudesse ver tanta coisa de olhos fechados.
4 de set. de 2004
CSF11 EM ANÁLISE
Depois de 7 postagens de textos temáticos que falaram desde os anos 80 até a preguiça, o CSF11 quer ouvir a opinião de quem passa por aqui pra curtir os textos.
Vou parar as postagens durante alguns dias para cuidar da reformulação visual do Blog e enquanto isso...quero ouvir críticas...muitas...
Meus textos devem ser menores neh?
Devo convidar mais pessoas?
Os temas devem continuar...ou abro espaço pra textos de qualquer natureza com tema livre.
Usem o comments e desçam a lenha. Tou aqui pra escutar e ler :)
28 de ago. de 2004
BRUNA E DOMENICO E AS TEORIAS DO DESEJO À PREGUIÇA
Pela casa, multiplicavam-se aromas e fotografias artísticas da Bruna.
A mulher de Domenico era constrangedoramente bonita. Muito corpo. Puro carisma.
Difícil não perder a concentração do problema do amigo.
– Guuuuto, acorda cara!!!
Olhei com aquela cara de comiseração. Domenico chorava compulsivamente. Um choro transbordante, daqueles que a gente tenta intercalar, balbuciando algumas palavras.
Entre soluços, me explicou que Bruna tinha ido embora.
Perguntei porque e ele não quis me dizer. Entrando pelo quarto, lágrimas deixando uma poça em sua camisa, percebi que o cenário de abandono era mesmo evidente.
Ele continuou calado, só as contrações falavam. Depois de algum tempo é que começou a me contar como tinha conhecido a Bruna.
Ela surfista, corada de praia, cabelos dourados de parafina e pele ressecada de sol. Ele de óculos no rosto e pouco papo.
– Pancadão de boate já viu né?
Domenico já conseguia sobrepor um sorriso no rosto oleoso de tanto choro. Já punha os olhos para cima, procurando as melhores lembranças. Lembrou do primeiro grande encontro. Me dizia que as palavras que não conseguia dizer, as pupilas se encarregavam de dilatar o sentido. Palavras e olhares ácidos. Muito ácido e em pouco tempo, um gozo rápido consumou uma relação intensa.
Em 3 meses se casaram, montaram apartamento. Ele arrumou emprego como vendedor numa livraria, eram 10 horas de trabalho todo dia. Bom para deixar mais quente a relação recém-formada.
Bruna não trabalhava, estudava direito na USP. Mas era, mesmo sem trabalhar, o antagonismo daquelas patricinhas filhas-de-papai-que-só-estudam. O cheiro forte de fungos de biblioteca e alguns daqueles tijolaços ainda espalhados pela casa comprovavam que ela levava realmente a sério sua formação.
Depois de pouco mais 8 meses de trabalho duro, Domenico conseguiu antecipar suas férias. Ele era especial no trato com as pessoas, no caso específico, seu gerente facilitou tudo. Difícil mesmo foi entender porque seu casamento começou a ruir a partir daquilo que devia ser o ápice de uma história de amor.
– Guto... Não dá pra entender porque ela desistiu da nossa vida, pra viver... Pra viver daquele jeito.
Nos primeiros dias, foi tudo bem: muito carinho, café da manhã na cama e aquele amor testosterônico no começo do dia. Aos poucos, menos de duas semanas, Bruna passou a questionar porque Domenico decidira tirar férias antecipadas. Afinal ele era novo no emprego e por mais que contasse com a simpatia dos clientes e de seu chefe, não poderia abusar tanto assim só por um capricho. Ela insistiu para que Domenico voltasse das férias forçadas. Mas a bronca de Bruna não o demoveu. Havia muito desejo por trás da idéia.
– Por favor, Domenico! Eu odeio gente preguiçosa. Acorda, pelo amor de Deus.
E passou a ser assim todos os dias. Muita briga, pouca atenção dividida.
Bruna saia à tarde e só chegava depois da faculdade, equilibrando os livros empilhados e demonstrando uma indiferença terrível aos carinhos de Domenico.
Muitas vezes em vão acordava, porque o espaço na cama já estava vazio.
Foi assim até que ele resolveu se esforçar para agradá-la de verdade. Acordou cedo e saiu para caminhar, na volta a encontrou pronta para sair.
Bruna sorriu e disse:
– Gostei de ver. Vou resolver umas coisas da faculdade na casa da Lu e depois volto.
– Mas agora pela manhã? – perguntou curioso.
– É. Um trabalho, Domenico. Trabalho exige dedicação, entendeu?
O apartamento do casal ficou para trás. Descemos a Rua Augusta e eu já estava com medo. Rodamos no meu carro durante uma meia hora até chegar num flat.
Ele me pediu pra entrar na frente. No hall cruzei com alguns caras de gravata, havia também funcionários do flat terminando uma faxina. Entramos no elevador e Domenico só abriu a boca para dizer o número do andar. Mãos no bolso e olhos para cima, não para lembrar de coisas boas, só para conferir os andares que iam passando. A porta abriu. Mais um cara, dessa vez mais velho do que os que estavam no hall, passou por nós com um sorriso no canto do rosto. Domenico insistiu para que eu fosse na frente. Fui me aproximando da porta 707. Estava entreaberta e eu fiquei com vergonha. Domenico fez aqueles gestos rápidos com as mãos espalmadas como se me empurrasse imaginariamente para dentro do mini-apartamento. Entrei. Lingerie pelo chão, os mesmos aromas do apartamento de Domenico e uma explosão ensurdecedora logo após o meu espanto.
– Meu Deus!!! Já que tirastes minhas forças, por favor, acaba com o meu desejo.
A história de Bruna e Domenico acabou sem ao menos ter começado. Quando cheguei junto ao seu corpo, entendi porque ele se manteve o tempo todo com as mãos no bolso. Junto à mão esquerda, um bilhete boiava leve numa poça de sangue. Era bem menos pesado que seu conteúdo, um pedido de socorro, um clamor.
Já no velório, traje de viúva sobre o belo corpo, Bruna me chamou a atenção pela tranqüilidade. Atravessei o monte de pessoas que nos separavam, me pus ao seu lado e não me contive.
– Você matou o Domenico. – Sussurrei no seu ouvido.
– Você sabe que não. Domenico morreu porque tinha preguiça de sofrer.
– Como você pode dizer uma coisa dessas?
– Guto, por favor, me poupe. Domenico sempre foi um acomodado. E assim foi em tudo na vida dele, inclusive no nosso casamento.
– Francamente...Não entendo como você ainda se acha no direito de dar lição de moral sobre preguiça.
– Guto...Faça o que achar melhor. Mas, por favor, me deixe em paz.
Feito do desejo a vítima, meu amigo se foi porque cometeu um pecado capital: se apaixonou.
13 de ago. de 2004
DIA SIM, NOITE NÃO
Até de dizer...
Pregui...
Pergunta tola aquela que tu proferes...
“- Cansada de quê?”.
- De protagonizar minha vida, oras!
- De ter um compromisso ridículo com a depilação!
- De levantar involuntariamente as sobrancelhas!... E me espantar com as atrocidades que dizes do sentido metafórico de “estar por cima”.
Tu bem sabes do capricornianismo que me acomete. E que não uso o meu latim com essas efemeridades.
Ah... Por hoje não me negaceie com os discursos longínquos sobre o dia. Apenas quero deleitar-me – deixe - do sentimento do mundo.
E...
Hum...
Faça-me o favor de me tirar as meias...
De me despir inteira.
De beijar-me as orelhas e a nuca.
E dizer palavras doces.
Faça-me uma massagem nas costas.
Não faça menção aos meus olhos fechados.
E de vez em quando aperte-me contra o peito. De vez em quando só.
Deixa dizer...
"- Hoje me faz amor, José.”
Elisa Araújo é funcionária pública, estudante de Letras e Música
6 de ago. de 2004
O REINO DA ALEGRIA
– Por que caçoas de mim? Nunca foste cínico.
– Eu é que não entendo por que depois de tanto tempo, você ainda insiste em querer pregar pra...
– Prego sim. Minha vida é a pregação da palavra, você sabe disso. Prego, prego, prego...Até quando puder e quiser.
– Não se exalte, tá. Você não precisa repetir essa ladainha. Esse papo de prego-prego-prego funcionou há muito tempo atrás com outra pessoa, não comigo.
– Pelo amor de Deus, não blasfeme nem seja irônico.
– Peraí. Você vem aqui no meu trabalho a esta hora da noite, chorando e questionando os seus próprios princípios e depois vem me acusar de ser irônico.
– Toni, não preciso lembrar que sou sua namorada né? Achei que você podia me ajudar.
– A gente está tão diferente um com o outro, desde que você arrumou este emprego.
– Espera...Por favor, o que há de ruim em fazer o que faço?
– Você está iludindo as pessoas. - a namorada de Toni soluçava, e tinha o rosto corado, quente com aquelas lágrimas de raiva.
– Vamos parar. Não adianta. Que porra é essa? Quer dizer que eu, um simples operário, agora sou enviado da mentira?
– Ósteas, Toni. Você sabe o que são ósteas. Apesar de fazer pose de cético, você sabe que isto é uma ilusão.
– Ilusão? Eu tenho o corpo de Jesus em minhas mãos toda noite.
– Você está louco.
– Sinceramente...O que você veio fazer aqui?
– Queria lhe ver. Estou com medo de estar perdendo a fé e estava a procura de um pouco de atenção. - Toni olhou por cima dos óculos e começou a cantar.
– “Deixe-se acreditar, nada vai acontecer. Tudo pode ser, nada vai acontecer. Não tema que este é o Reino da Alegria”.
Toni começou a rodar pela sala, sorrindo bastante. Sorria tanto que já chorava com as mãos controlando as contrações do abdôme. Ele foi parando de sorrir até se encostar numa pilha de ósteas, esperando para serem separadas. Lia com o olhar embaçado pela temperatura das lágrimas, olhava pra aquilo com tristeza, balançando a cabeça negativamente.
– Toni, no que você se transformou? - Lia perguntava, enquanto seu namorado assoava o nariz irritado, por causa do choro, num pedaço de óstea.
– Lia...Odeio transformações. Adoro vinho e não gosto de truques.
– Você não respeita nada. Acho que perdi meu tempo vindo aqui.
– Saiba que o corpo de Jesus já foi meu companheiro em momentos de solidão aqui na fábrica. Posso afirmar que o corpo de Jesus serve mesmo para limpar a gente. Sabe como é?! A gente se vira como pode quando está sozinho.
– Você está louco.
– Não me procure nunca mais. Não tenho paciência para estes seus sermões.
Lia saiu em prantos, passou pelos corredores e quase escorregou nas poças de óleo que servem para lubrificar as máquinas da fábrica. Saiu da fábrica e sentiu as gotas de chuva aliviarem a temperatura febril de seu rosto. Aproximava-se lentamente, chorando um pouco mais alto por causa da chuva e da aparente solidão da madrugada, do portão de saída, quando começou a ouvir passos – vacilavam aqueles passos, pareciam vários, mas ela só enxergava uma sombra. Apressou-se e mergulhou naquele misto de medo e curiosidade de querer olhar pra trás. Até que criou coragem e virou de costas para se ofuscar com a luz forte da lanterna de um homem alto, que mancava, tinha feições grosseiras e conduzia um cão negro. Ele olhou fixo nos olhos molhados de Lia e sentenciou:
– Você não sabe se quer sair?
– Você não sabe o que é estar só.
3 de ago. de 2004
CULTO NO 401
Cinza, era a cor daquela manhã.
E eu lá, no interior da condução, em pé, segurando o apoio de metal, frio. Nada muito anormal. Alguns decotes, alguns olhares, alguns bocejos, e lá fora o mundo molhado. É engraçado como as pessoas gritam por dentro, gritos desesperados, silenciosos, secos, vez por outra dá para ouvi-los pelas frestas dos olhos, olhos quase sempre tristes.
Diferente dos olhos do cego pedinte, figura interessante. Subiu na parada do supermercado. Tateando os passageiros, ia apanhando as moedas que alguns poucos generosos lhe entregavam. Uma a uma. Órbitas vazias, mas ainda assim um olhar risonho, típico dos cegos. Enquanto agradecia a todos, anunciava que bebera muito no tempo em que era mais moço, mas havia mudado, transformou-se num homem melhor, consciente, maduro, e aquele dinheiro iria lhe proporcionar um bom café da manhã.
- ALELUIA.
Alguém gritou.
-AMÉM SENHOR.
Mais um grito.
Pra complementar, um senhor alinhado no banco da frente do ônibus pregou:
- Quando o céu se abrir e o salvador voltar em cima de uma nuvem iluminada, assim como está escrito no livro sagrado, ele o levará para o reino de Deus, pois lá é o lugar dos justos e dos pobres.
Aleluias e améns soaram vibrantes pelos quatro cantos do veículo. (Curiosa manifestação).
Sutilmente um velho que estava no banco de trás do ônibus, falou para o cego com a inteligência e a lucidez dos conformados:
- Receba teus trocados e siga em paz meu velho. Poupe os ouvidos, tu não vê que já passou da hora dele voltar? Quando você partir desta para melhor, enxergarás a verdade.
Falou com um riso interrompido no lado esquerdo da boca e voltou ao seu silêncio.
- ESTÁS AMARRADO EM NOME DE JESUS.
O homem alinhado gritou abruptamente, já ereto com as veias pulando da garganta e olhos de ira.
- És instrumento de satanás e estás tentando ludibriar este pobre coitado...
(Iniciou-se uma ávida e longa pregação)...Saiba que Deus mandou seu filho para salvar-nos dos nossos próprios pecados, ele morreu por nós e prometeu voltar, tenha certeza que este dia está próximo, se arrependa do que falou, homem sem fé, e serás salvo...
(Olhos cerrados, murmúrios, gritos breves, mãos dadas)... Não queiras sentir a ira de Deus, pois Deus não é só amável, Deus também é fogo, o fogo divino... (Minutos correndo, crianças confusas, respingos de chuva pelas brechas das janelas)...Quem aceitar a Jesus, seguirá com ele para o reino dos céus, onde as estradas são de ouro e as paredes de diamante e... (POU).
Súbito silêncio.
O velho do banco de trás levantou calmamente, guardou o 38 de onde saiu um único e certeiro tiro em direção a testa daquele senhor histérico no outro extremo da lotação, pôs o jornal embaixo do braço, pagou a passagem e desceu juntamente com o pobre velho cego.
Me vi no inferno em meio a gritaria e o desespero coletivo sufocando a paz daquela manhã, o céu cinza do outro lado da janela foi se abrindo, alguns raios de luz surgiam em meio as nuvens pesadas, confesso que lembrei da tal nuvem iluminada, intimamente um suspense, uma espera....
Logo a imagem do pobre cego no fiteiro ao lado da parada, jogando um pouco de cachaça pro santo antes do ríspido gole, me fez enxergar o sol.
J.Falcão é músico e diretor de arte.
27 de jul. de 2004
LIBERTAS QUAE SERA TAMEN
De manhã cedo, a gente tava acordado, prontos pra ir pra escola. Ele tinha um sorriso no rosto que denunciava uma alegria desmedida, enquanto eu não via a hora de ouví-lo. Era inveja e ansiedade. Ele me contou tudo, com todos os detalhes que não davam pra ver pelas frestas do lençol.
Desde aquele dia, tive certeza de que ser livre não é para qualquer um. É preciso ter vocação para a liberdade. Um dia quase morri porque tentei seguir de novo os passos dele. Da areia via o jeito como ele mergulhava de cabeça na água, parecia tão fácil. Fui lá tentar porque ainda não tinha percebido que aquela era a metáfora da vida dele. Eu engoli muita água mas consegui sobreviver. Ele, depois de muito tempo, alguns filhos e muitas mulheres depois de nossa história, morreu afogado. Sentiu-se mal e foi mergulhar, provavelmente de cabeça, de maneira intensa, como sempre fez quando queria se sentir livre.
26 de jul. de 2004
VERSOS INQUIETOS
E com o tempo com os meus se confundem
Fazendo oásis o que antes era só deserto.
Estamos vivos!
Sinto seu cheiro, o gosto da sua pele,
E todos os seus pensamentos lascivos
Mesmo que não me reveles.
As respirações confundidas
As palavras indecentes
Os gestos sem medidas.
E nesse jeito de te ter com loucura
Sem compostura; de maneira voraz
Cada vez que me pedes um beijo com doçura
Cravo meus dentes no teu corpo e te mordo ainda mais.
Doce é a dor da mordida
Sente prazer a alma, mesmo com a carne ferida
E somos tomados por uma febre
Que, apesar de às vezes breve,
É a melhor coisa da vida.
Me faz livre, me faz leve, me faz viva
Que esse desejo em mim não cessa
A vontade é grande; curta é a vida
E quando meu desejo "termina", vem o teu e começa.
Vem o gozo, e depressa me recomponho
Vem o tesão querendo recomeçar
E, perdoem-me se as palavras que disponho
Não conseguem a sensação de liberdade expressar.
Raquel Medeiros é Redatora e Estudante de Publicidade e Propaganda no IESP
19 de jul. de 2004
OPERAÇÃO TAPA -TUDO
A cidade anda atolada num buraco tão profundo que parece impossível medir. Até porque, há tempos que um lento e gradual processo de letargia nos acomete. Covas também são buracos. E à medida que cresce nossa insensibilidade, um tom apocalíptico ajuda a constatar que realmente, há um buraco para cada um de nós. Sem saber o que fazer, a cidade assiste impassível a metástase dos buracos, desenganada pelas autoridades. A culpa, fácil constatar, é da chuva. Precipitada por natureza, ela causou todos os males e, pior, evitou que se aplicasse logo o remédio para a cura das mazelas. Fez de vítima todos nós aqui, lá no interior, mais perto do que a gente podia imaginar. Precipitação combinada com falha na fundação, lá no começo, na raiz do problema. E mais um buraco preencheu de vazio a existência de milhares. Manchete de primeira do Jornal Nacional, a precipitação, a falha, o buraco e a tragédia fizeram parte da programação durante alguns dias. O poder público no Brasil sempre soube da importância de audiências para a resolução dos problemas, aqui, no nosso interior, não foi diferente. Nem seria diferente na nossa tragédia cotidiana. Havia, antes de tudo acontecer, um plano de ação ostensiva contra a proliferação dos buracos nas principáis vias da cidade. Era a sonora e popular, Operação Tapa-Tudo que, por causa das chuvas, não pôde ser iniciada. Ainda bem. Houve tempo para percebermos que buracos maiores estavam nas nossas caras, casas e escolas. Em horário nobre, uma estatística pobre, demonstrava por A+B que nossas crianças e escolas tinham falhas terríveis, falhas na fundação, um buraco na aprendizagem, falhas na raiz de uma tragédia maior. Pior que qualquer buraco é a ausência. É a constatação de que nós estamos na “lanterna de um futuro que virá”. Pior é saber que a Operação Tapa-Tudo, está dando muito certo, antes mesmo de começar.
EXTRA
Existe uma coisa interessante que lembrei assim que soube que escreveria sobre buracos. Senão todo mundo, muitos sabem que a Globo, em geral, sempre deixa “deixas”, anunciando as trilhas sonoras de suas novelas. Assim, se formou uma geração de pessoas que decoravam sempre partes de canções de muito sucesso. É o que a gente pode nomear, aqui na brincadeira, de One Part Hit. Essas “deixas” servem para tapar os buracos proporcionados pelos espaços comerciais e as chamadas dos programas.
16 de jul. de 2004
SEXO CASUAL, ORGASMO VIRTUAL
Até parece que tem que dar duas para a coisa pegar.
Ou então imaginar que a luz acabou, foi para eu me concentrar melhor.
Ou fingir que me concentrava ali e partir para uma nova dimensão.
Você pegou na minha mão, me puxou para cantos ainda mais escuros e eu fui.
Mas te digo, e peço perdão, eu não estava.
Daí ao fim, perdi-me na conclusão de tudo.
Você sentiu?
Me diz, você sentiu?
Tudo bem, não vá se envergonhar.
Amar não é para qualquer um.
Marília Valengo é Redatora de Publicidade
8 de jul. de 2004
MEDO DE SHOPPING
O belo violino nos acordes das canções do Razorblade marcou o dia como uma cicatriz de um ferimento profundo. Chorei muito ao ver que podia morrer ali rodando naquele shopping tão tranqüilo. Provavelmente ninguém verteria lágrimas por um desconhecido. Chorava no banheiro, porque não queria que as pessoas me vissem. Mas sempre deixava lágrimas num canto de olho. A gente sempre acha que as pessoas têm interesse espontâneo por nós. Esperava mesmo que alguém olhasse exatamente naquele canto do olho, que continha só um pouco do que me sobrava. Era medo. Comecei a me perguntar porque estava ali. Estava ficando escuro, a cidade era grande, e eu passava por becos ainda mais assustadores que os sentimentos autodestrutivos que sentia.
Estava só. Poderia fazer o que quisesse. Poderia desistir de tudo e voltar. Por que insistir em continuar passando despercebido? Sabia que era importante continuar, mas estava doendo muito a solidão. Na verdade, tinha medo de assumir uma tarefa que nunca tinha cumprido. Sempre fui centro, nunca tinha sido periferia. Naqueles momentos, eu estava esquecido. Notei que tinha medo de ficar só , de morrer só.
Mesmo sofrendo e chorando, decidi que só sairia de lá quando terminasse o que tinha de fazer. Os soluços continuavam, as lágrimas haviam untado as maçãs do meu rosto com um óleo que cintilava à medida que passava pelas placas e vitrines iluminadas. Deu para compreender perfeitamente o significado de walkman, o enjôo foi latente e aos poucos pude ouvir acordes descompassados, uma voz desafinada que de certa forma acalmou meus pensamentos. Segui o som, mas desvendei a ilusão antes das miragens. Fiquei de longe observando o caos sonoro daquele shopping, me convencendo de que seria impossivel para alguém conseguir ser ouvido com a atenção necessária, mesmo rosto a rosto, quanto mais à distância e intermediado por uma aparelhagem tão sofrível quanto a acústica malfeita daquela construção. Sucessos do rádio se intercalavam enquanto tentava decifrar as letras de cada canção entoada pelo músico. Pensava: “O que será que esse cara deve pensar de cantar nesse barulho todo? Se eu fosse esse bicho, não pagava esse mico.” De repente notei que havia algo mais incômodo que o barulho ensurdecedor do cotidiano climatizado daquela praça de alimentação. O tal músico errava sempre algumas estrofes das músicas, e o erro era insistente. Será que só eu notava?
Quase tomei nota do erros... Aquilo estava realmente me atormentando. De uma hora pra outra esqueci do sofrimento daquele dia e passei a me perguntar o que fazia um cara como aquele, cantar numa merda barulhenta daquelas e nem se dignar a lembrar das letras. Passei a me aproximar mais rapidamente do tal cantor. O fim da apresentação estava próximo. Não havia possibilidade de bis. Ninguém prestara tanta atenção assim. Procurei o canto de olho, o mesmo untado das maças, entretanto enxerguei mais naquele homem baixo e levemente calvo, que se aproximou de mim e perguntou:
– Pois não. Algum problema?
Haviam muitos, mas algumas perguntas não se respondem. Calei e, logo em seguida, perguntei:
– Você canta aqui há muito tempo?
Ele me olhou, no canto do olhar não tinha nada. Nas maças, nenhum sinal de sofrimento. O sorriso enganou mais que sua resposta.
– Hoje é meu último dia. Não se preocupe.
O homem saiu. Violão nas costas e passos firmes, sequer olhou para trás.
Mirei-me em seu exemplo e me arrisquei nos becos daquela cidade fedorenta até chegar no motel. Deitei cedo, dispensei o hamburguer com o tempero emocional e sonhei com o dia em que iria embora dali.
Acordei cedo demais para um banho, mas tarde para o café grátis. Fechei minha conta e pus as mãos na bagagem que agora parecia bem mais pesada. Sentado numa cama redonda de motel, cansado de rodar em busca de algo que justificasse tanta solidão, eu abri o jornal do dia e comecei a especular até quando agüentaria. Primeiro na página de esportes (aí muita gente foi preterida), depois conferi o sangue anônimo que corre nas páginas policiais. Lá, nas últimas colunas, uma foto em tons de cinza, e um título popularesco, me chocou.
Corda de violão vira forca para músico na Bela Vista
A foto era daquele homem. O mesmo idiota que errava a letra das músicas.
Naquela hora entendi o porquê do sorriso dele. Ficou claro que ele errava para tentar atrair a atenção das pessoas. Percebi a minha idiotice. Na verdade não havia enxergado nada. Os acordes desafinados e as letras erradas eram o canto de olho, a maçã untada daquele cara.
Olhei demais pra mim para tentar decifrar porque tanto medo. Na odisséia circular por aquele shopping, me deixei levar pela tola apreciação de que o mundo girava ao meu redor.
Ignorei a verdade incontestável de que o medo mede nossos limites.
*Razorblade Suitecase (1996) é o segundo álbum da Banda de Rock Britânica Bush
PÁSSAROS
Sou um pássaro. Aliás, todos somos. Mas prefiro enquadrarmos na qualificação de pombos. Pois pombos não saem por aí fugindo de todo mundo. Pois o medo de ser tocado é enorme naqueles que não se entregam na vida. E pombo que se entrega, pra mim, é pombo morto. Ironia, não? Passarinho que come pedra, sabe o cu que tem. Pois é, não vá sair por aí se entregando pra todo mundo, Justafá! Pera aí. Eu tou saindo do tema novamente. Eu tenho que falar de medo. Mas admito: tenho medo de falar do medo. E por isso eu fujo, eu grito, eu birro, eu choro, eu tremo, eu mostro língua, eu canto, eu assobio, eu faço besteira, eu me escondo, eu fico com medo. Afinal, eu sou um pássaro, mas não posso voar. E finalmente, aquele burronildo ignorante do outro lado da sala grita: "Então você é uma galinha, idiota!!!"
João Faissal é ator, webdesigner, diretor de arte e estudante de Educação Artística
2 de jul. de 2004
EGOLATRIA
Auto-estima
Auto-ajuda
Autografia
Autofagia
Autofelatio
Auto-imagem
Autoparasitia
Autonomia
Auto-suficiência
Autoridade
Autocracia
Autologia
Autopiedade
Auto-indulgência
Astrologia
Automatia
Auto-exílio
Autocídio
Autópsia
Autolatria
Auto
Alterego
Egolatria
Alex Camilo é poeta, estudante de jornalismo e redator de publicidade.
29 de jun. de 2004
O EGOÍSMO POR MIM MESMO
EU acatei a sugestão de uma amiga MINHA, e postarei sobre o Egoísmo.
A primeira coisa que EU fiz, como de resto sempre faço, foi pesquisar no dicionário a origem e o significado da palavra.
ME deparei com duas definições: uma filosófica e outra psicanalítica.
A filosófica é simples e atribui ao Ego, o significado de “unidade” à alma humana.
A psicanalítica explica o significado retirando o termo do isolamento e o conectando a mais dois conceitos, dos quais EU ainda não manjo muito, mas que estão descritos aí em cima.
EU tenho uma definição própria, só MINHA, sobre o que é ser egoísta. Lógico que posso compartilhá-la com vocês, afinal este é um espaço criado por MIM, não correria o risco de ser mal interpretado.
No mundo contemporâneo, ser egoísta é aderir à paz. É ficar impassível. É não esquentar, nem estar frio demais. Não é o sólido, nem o liquido, muito menos o gasoso. É o plasma.
O egoísta hoje é aquele que quer a paz que o Yuka não quis.
EU, como Redator de Publicidade, lido todos os dias com os EGOS. Mas nem ME acho tão egoísta.
Agora que pesquisei sobre o assunto, e vou postar um texto cheio de versos sobre MIM mesmo, sei que EU sou no máximo um Egotista, egoísta jamais.
(N)ÉGO
Négo o apego
Porque renego meu ego
Prefiro o sossego
No momento que me entrego
Em geral não me atrevo.
Porque renego meu ego
Mas não gosto do arrego.
À primeira pessoa relego
Só aquilo que cabe emprego
Porque renego meu ego
E me négo ao apego
Na alegria que carrego
Há doses de gozo e desespero
Porque renego meu ego
Fecho os olhos pro desprezo
21 de jun. de 2004
PELA HONRA DE GREYSKULL
“E se você quiser participar do nosso sorteio é só escrever para rua Saturnino de Brito, 74, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. O Cep é 22470. Moderninhooooo”. Eu tinha que falar que ainda lembro disso. Eu e minhas irmãs fazíamos cartinhas, muitas delas, e brincávamos de sorteio na garagem da nossa casa. Outro dia conversando com uma amiga do trabalho, descobri que ela também fazia a mesma coisa. Não posso falar pelo universo dos meninos. Mas é facinho que eles tivessem uma espada do He-man ou bonecos do DI Joe. (Até eu tinha!) Do que será que as crianças brincam hoje? Eu vejo meu filho reproduzir todos os gritos de guerra de desenhos que horrorizam os pais pelas doses de violência que propõem. Mas o horror da gente no fundo é pura nostalgia. Talvez toda época tenha a dose de violência que mereça. Já pararam pra pensar nisso? Eu já. Tudo era sempre mais bonito na nossa época. E não há melhor nem pior, só há a diferença do tempo. E assumindo isso, eu posso prosseguir mais tranqüila. Eu corri de bunda-rica pela casa, usei saia balonê, ouvi os LPS da minha mãe e quis ser como a Cláudia Ohana na novela Rainha da Sucata. Ta tudo bem, já era 1990. Mas a década ainda estava lá impregnada. Assim como todos os desejos que nós tínhamos naquela época. Quem nunca imaginou a distância da idade? “Nossa quando eu tiver 21 anos eu já vou estar ...”. Era longe não é mesmo? Chegou tão rápido... E essa vontade louca de sempre voltar à nossa juventude ou a nossa infância quando tudo parece sem sentido. Há todo sentido do mundo nesse eterno retorno. À medida que o tempo passa, a gente se esquece e se afasta do que quer realmente. Por isso, vocês ainda irão assistir ao retorno dos anos 90, dos anos 2000, 2010... 2015. Porque enquanto houver quem envelheça, vai haver cansaço, nostalgia e saudade. E se você não está entendendo nada do que eu digo, faça o seguinte: ouça Boys don´t cry do The Cure num sábado à tarde e depois volte aqui pra dizer... não parecia que você ia conquistar o que quisesse? Eu achava que sim. E pra falar a verdade, quando ouço, ainda acho que posso. E é por isso que a gente volta. Pra entender que a gente sempre pode, independente do tempo que for.
Julliana Veloso Machado
É jornalista, redatora de publicidade e produtora de TV
Atualmente faz especialização em Marketing e Publicidade no IESP
SAVE FERRIS
O minimalismo do rock oitentista, os Strokes, a moda das linhas heritage/vintage de todas as marcas e até coisas como o glam rock parece que estão dando certo, vide o caso de uma banda e suas calças de couro que vi na MTV dia desses, chamada The Darkness.
Meu amigo diz que aquela geração, pré-adolescente em 80, agora move a nossa economia. Quer dizer que meninas e meninos que viveram sob o jugo dos coques e basqueteiras, hoje têm o poder nas mãos. Esse pessoal impulsiona o pensamento retrô, da lembraça do supertrunfo, do Banco Imobiliário, do recorde de vendas de qualquer coletânea da Legião Urbana, da Malu Máder nas páginas da Fama, do filme sobre o Cazuza.
Tudo que remete aos anos 80 tem muitas chances de dar certo porque os jovens de 80, hoje têm carteiras de couro recheadas de poder de compra, e é real, com todos os zeros no lugar, sem gatilho e inflação.
Aceitando a tese de meu amigo, e a despeito do alívio irresistível provocado pela nostalgia, é doloroso admitir que hoje os tempos são outros. A euforia do retorno ao tempo da Vovó Mafalda pára no relógio, pontualmente às 5h e 60, quando a gente vê que os anos 80 voltam como quaisquer outros “anos”. A estética volta, a moda volta, a música volta, o cinema se interessa e volta, as emoções também voltam, mas os tempos não voltam de verdade.
Négo sem renegar, o tempo e a poesia do Cazuza. Hoje, dá pra dizer que nossos ídolos não morreram de overdose, boa parte deles morreu de Aids como ele ou então se espatifaram em um monte de concreto. Nossos companheiros estão no poder e ideologia anda meio de modé,deixou de ser essencial pra viver.