30 de dez. de 2011

2011: tente enxergar pelo lado bom.



Já vivemos o suficiente para desmoralizar ao menos duas profecias sobre o juízo final. Por isso proponho que a lente usada para fazer a retrospectiva de 2011 seja trocada e que este ano seja visto pela ótica dos bons olhos.

O ETA, grupo separatista basco, anunciou o fim de suas atividades terroristas. De espanador na mão, Dilma Roussef demitiu 6 ministros acusados de corrupção em 2011. Já no apagar das luzes, a consagração: o Brasil ultrapassou a Inglaterra e tornou-se a sexta economia do mundo.

No ano em que as agências de risco rebaixaram os EUA, Obama anunciou o fim das invasões no Iraque e no Afeganistão. Muitos americanos indignados "ocuparam Wall Street" e a primavera árabe segue, em pleno verão tropical, derrubando velhos ditadores.

Na Itália, apesar das más notícias na economia, Silvio Berlusconi renunciou. E mesmo no Japão - palco do maior desastre natural do ano, onde mais de 10 mil pessoas perderam a vida, há motivos para sorrir: o acidente nuclear em Fukushima fez com que a Alemanha anunciasse o fechamento de todas as suas usinas nucleares

Bin Laden e Kadafi estão mortos, a Rocinha e o Complexo do Alemão foram pacificados, Cássio está no Senado e nas redes sociais ninguém foi tão lido e citado quanto Clarice Lispector.

Você tem motivos de sobra para acreditar que o mundo está melhor, não?




16 de set. de 2011

Aos inimigos, a lei.





Capítulo I - Apenas um fim de semana

Estamos em um cenário paradisíaco no Brasil: Porto Seguro, Bahia. Um grupo de pessoas ricas e bem sucedidas festeja o fim de semana enquanto fazem um traslado de helicóptero para um resort em Trancoso. Como há muitas pessoas, a aeronave precisa fazer duas viagens: o primeiro grupo chega em segurança, mas um terrível acidente impede que as pessoas felizes do segundo grupo - entre elas, a nora do atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho - cheguem ao seu destino.

O acaso aquece o que seria o noticiário de um domingo qualquer de inverno brasileiro: descobre-se que o piloto estava com a habilitação vencida há 6 anos; o Governador do Rio afirma em nota oficial que vai até a Bahia acompanhar as buscas; o prefeito de Porto Seguro diz a um jornal de Salvador que encontrou com Sérgio Cabral passeando na cidade um dia antes do acidente; O Globo noticia que Sérgio Cabral viajou até a Bahia no jatinho do empresário Eike Batista... E assim, a comovente história de um acidente que ceifou a vida de jovens, senhoras e crianças de colo se revela numa trama que ajuda a explicar um dos flagelos brasileiros: a promíscua relação entre entes públicos e a iniciativa privada.

Na esteira dos acontecimentos, soube-se que Sérgio Cabral estava entre as pessoas felizes a bordo na primeira viagem de helicóptero à Trancoso. Havia trocado o stress com a greve dos bombeiros no Rio por um fim de semana ao lado do amigo e empresário Fernando Cavendish, dono de uma das empreiteiras responsáveis pela reforma do Maracanã para a Copa de 2014, obra avaliada na casa de R$1 bilhão.


Capítulo II - Os anos do Brasil na França

Do ano da graça de 1999, no Brasil sob a regência de Fernando Henrique Cardoso...Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar, vendia parte de suas ações para o grupo francês Casino. O acordo previa entre outras coisas, que após 13 anos, o Casino controlaria a operação do Pão de Açúcar no Brasil.

Ativemos o capacitor de fluxo para o futuro do pretérito. Como pudemos acompanhar no noticiário econômico em julho, Abílio Diniz ressurgiu com mais um negócio que abalaria as estruturas da economia: uma fusão com as bençãos do BNDES entre Pão de Açúcar e Carrefour que criaria um monstro que abocanharia 27% do mercado varejista no Brasil. De uma só vez, o visionário Diniz levaria na valsa o Casino que, a apenas 1 ano de assumir o controle do Pão de Açúcar, teria que engolir o maior concorrente e o Cade que teria que se virar para justificar o mais novo monopólio no mercado.

Mas aí a imprensa estraga-prazeres, a oposição e a voz rouca da sociedade civil organizada resolveram que seria cínico demais bancar com dinheiro público uma jogada privada. Abílio Diniz foi obrigado a sair à francesa.


Capítulo III - No terreno das hipóteses

Em João Pessoa, um grupo de arrojados empresários demonstram, ao longo dos anos, muito interesse em construir um shopping na Zona Sul da cidade. Muitas das construções mais importantes daquela região são do Governo do Estado como Detran e Acadepol, por exemplo.

Um dia antes do famigerado recesso parlamentar, o Governo envia matéria para votação no plenário da Assembleia Legislativa: uma permuta entre terrenos. No projeto que se pretendia lei, o grupo de empresários receberia o terreno onde hoje está instalada a Academia de Polícia e, em troca, cederia uma área localizada no Geisel, região supostamente menos valorizada, se comprometendo ainda a ajudar o Estado a construir as novas instalações da Acadepol.

O presidente da Assembleia resolveu que o assunto só seria resolvido depois do recesso: a oposição caiu de pau; colocaram a permuta sob suspeita; acusaram o Governo de tentar votar a matéria em toque de caixa; as mesas-redondas sobre política ganharam pauta permanente; setores da imprensa criticaram e/ou apoiaram a iniciativa do Governo em prol do desenvolvimento; muita gente se solidarizou com os "empresários da terra" que só estariam interessados em investir no Estado e após muito lenga-lenga, o projeto foi aprovado.

Após meses de debate estéril, o desenvolvimento de Mangabeira e de toda Zona Sul parecia enfim, garantido. Entretanto, faltava a cereja do bolo: nos dias seguintes à aprovação na Assembleia, a cidade acordou com outdoors assinados por um tal Fórum de Defesa do Desenvolvimento Econômico da Zona Sul que estampavam os rostos dos políticos que foram contra a permuta entre os terrenos.

Epílogo

Dizem que o pernambucano Gilberto Freyre escreveu sua obra-prima Casa-Grande e Senzala porque não conseguia explicar o que era o Brasil aos colegas de estudo no exterior. A capacidade de relativização moral e a astúcia individualista do brasileiro na sua relação entre o público e o privado realmente confundem quem não está afeito aos modos nos trópicos. 

Mas em uma das passagens do clássico que melhor sintetizam o Brasil, Freyre cunha uma frase antológica: “a virtude da senhora branca apóia-se em grande parte na prostituição da escrava negra”.


21 de jun. de 2011

Crônica do noticiário e as notas noticiosas


Biodesagradável

Quando Chico César negou o forró de plástico sabia o que estava fazendo. Como se sabe, plástico é material de difícil decomposição, não figura nem no cardápio de micro-organismos. Já o forró, orgânico por natureza, é filho legítimo do ritmo: faz bater do coração às coxas.

Na mesma moeda?

Em João Pessoa, consumidores insatisfeitos com o preço abusivo dos combustíveis resolveram protestar de uma maneira inusitadamente criativa: formaram filas em frente aos postos mais caros para...abastecer.

Na mesma moeda 2?

Insatisfeito com o tratamento dispensado pelo Sistema Paraíba de Comunicação, o Governo do Estado deu o troco: pautou de graça o principal concorrente, o Sistema Correio. O furo, revelado pelo Jornal Correio da Paraíba, foi o suposto perdão de uma dívida do Grupo São Braz com a Receita Estadual no valor de R$ 7,5 milhões. Fogo amigo de chumbo trocado não doi.

Mata a cobra, mas nada de mostrar o pau como mandam as tradições islâmicas

Inimigo número 1 da civilização ocidental, pivô do maior ataque terrorista da história e responsável pelas únicas guerras do século XXI, Osama Bin Laden foi-se sem dar o ar da graça.

A casa caiu

Depois de ser pego na mentira pelo caseiro Francenildo, Antônio Palocci passou por um período sabático na Câmara dos Deputados. Foram-se os anéis, mas Palocci virou coordenador da vencedora campanha presidencial de Dilma Roussef e ganhou o status de "primeiro ministro" na Casa Civil. Mas, eis que o "Pelé foi para o banco de reservas" refrescando as parcas lembranças desse povo desmemoriado: não conseguiu justificar o aumento de seu patrimônio em um ritmo "juscelínico" de 20 vezes em apenas quatro anos.

A Copa na cozinha

Abalada pelos seguidos escândalos de corrupção, a Fifa mantem seu prestígio no Brasil. Preocupado com o ritmo das obras para a Copa de 2014, o Governo Federal editou e aprovou a Medida Provisória 521 que cria um novo eufemismo para licitações feitas em toque de caixa: regime diferenciado de contratações públicas. Agora vai!

24 de fev. de 2011

1.0 >2.0




Em tempos de euforia com o poder transformador e revolucionário das redes sociais, que ameaçam regimes totalitários em todo mundo, nada como um quiprocó de condomínio para provar o quanto aqui, nossa noção de democracia é distorcida. Em João Pessoa, a polêmica da desapropriação do Aeroclube da Paraíba e sua repercussão nas redes sociais revelaram que todo o papo de comunicação 2.0 vai por água abaixo quando os interesses 1.0 ditam as regras.

Amparada por uma decisão judicial que, horas antes, lhe garantira a posse do terreno que sedia o Aeroclube da Paraíba, a Prefeitura de João Pessoa decidiu não só ocupar com máquinas e escavadeiras, como também destruir a pista de pouso do aeródromo, mesmo sabendo que ainda cabia recurso. A ação tresloucada gerou repercussão instântanea nas redes sociais e, em pouco tempo, era possível enxergar do alto das timelines no twitter, os estragos causados à imagem da prefeitura. Rapidamente jornalistas e outros setores da opinião pública fizeram côro contra a forma como se deu a ocupação do terreno e, sobretudo, à destruição da pista de pouso. Para piorar, a justiça estadual concedeu liminar reintegrando a posse do terreno ao aeroclube e o imbróglio, que já havia preenchido as pautas do noticiário local, foi parar nos trending topics do twitter no Brasil.

Assim se concebeu a primeira grande crise de imagem da gestão municipal sob o comando de Luciano Agra. Até então, o clima parecia de lua de mel com a opinião pública. A filosofia progressista implantada na capital, que se expandiu para todo o estado com a vitória de Ricardo Coutinho nas eleições de 2010, praticamente desintegrou a oposição partidária e o panorama político foi completamente reconfigurado. Com a docilidade dos principais veículos de comunicação e as benesses proporcionadas pela influência sobre uma sociedade extremamente dependente do poder público, parecia que nada abalaria a imagem de uma gestão democrática, plural e baseada no resgate do cárater público. Parecia...

Mas Luciano Agra evocou Maquiavel e, em uma ação que, se não pode ser classificada como ilegal, foi no mínimo imprópria, implodiu junto com a pista de pouso, parte da imagem democrática que a prefeitura sempre projetou.

Aeroclube da Paraíba e Prefeitura Municipal de João Pessoa perderam juntos uma boa oportunidade enquanto estavam preocupados em transformar uma discussão que poderia ser de interesse público em um embate partidário. Cada lado soltou sua versão em notas oficiais recheadas de acusações e justificativas que escondem, na prática, o descompromisso com a população sobre os reais interesses envolvidos na disputa judicial pela área.

Em que pese parecerem boas as intenções da prefeitura na construção do Parque Paraíba, não se pode deixar de criticar a forma como se conduziu todo o processo de desapropriação. Pior ainda, foi a reação dos responsáveis pela comunicação institucional da prefeitura ao clamor que se seguiu após a destruição da pista. Numa demonstração clara da falta de uma estrutura para gerir crises desta natureza, parte do staff de comunicação da prefeitura limitou-se a defender a ação sob a desculpa de que "cumpriam-se ordens" e que boa parte dos que defendiam o Aeroclube nem sequer conheciam o local, como se isso atenuasse a truculência da ação.

É difícil saber quais são os procedimentos corretos a serem tomados de parte à parte, mas cabe salientar que é a Prefeitura Municipal quem deve maiores satisfações à população. Não basta apenas divulgar que pretende construir um parque no local, se deveria informar quais são exatamente os planos da prefeitura para o local, elencando o que será construído, quais equipamentos estarão disponíveis para a população, os impactos sociais e ambientais da construção e sobretudo, qual a alternativa proposta aos principais acionados na questão - que são, sem dúvida, o Aeroclube e seus associados. Ao invés disso, a Prefeitura preferiu alimentar a sanha político-partidária que paira sobre o problema, tentando desqualificar o Aeroclube reduzindo sua atuação a um grupo elitista composto por alguns poucos privilegiados que querem se colocar acima do interesse público. Uma estratégia que poderia até render dividendos não fosse um pequeno detalhe: há uma instituição civil de utilidade pública federal com direitos adquiridos sobre uma propriedade. Nesse aspecto, pouco importa se o Aeroclube atende a 200 ou a 1000 pessoas. A natureza e as características dos serviços prestados pela associação não diminuem os direitos que esta entidade tem sobre sua propriedade, ainda que existam planos que possam beneficiar uma parcela maior da população.

Em resumo, os fins não justificam os meios e a Prefeitura Municipal deveria ser a última a adotar essa estratégia de confundir as noções sobre o que é público e o que é privado.