29 de ago. de 2012

O voto distorcido




É de um monarquista contrário à Revolução Francesa - certamente mais preocupado em salvar o próprio pescoço, a frase "Cada povo tem o governo que merece". Em 2012, com as campanhas eleitorais nas ruas, na tevê e, sobretudo, nas redes sociais, cá estamos a nos debater ante o desafio iminente de votar: são mais de 5 mil municípios e, em cada um deles, há uma indigesta sopa de letras, nomes e números sendo servida. Diante de oferta assim tão farta - entre candidatos, partidos e promessas - cabe o questionamento: é de bom tom recusar o cardápio?

No Brasil, vota-se de dois em dois anos e desde 1985 - ano em que o voto direto voltou após a ditadura - que a insatisfação com o nível dos candidatos só aumenta. Logo, parece natural que floresça um sentimento de revolta, uma vontade de se não negar, pelo menos, colocar em xeque a ideia da democracia representativa sob a qual vivemos. E se o voto é obrigatório e não há a opção de simplesmente não comparecer às urnas, só resta a quem não se sente representado: aderir aos votos nulo e branco. Entretanto, a julgar pela reação apaixonada dos engajados nas eleições, votar nulo é tão intolerável quanto espancar animais. Acontece que a tese anti-voto nulo se baseia em argumentos bastante discutíveis. O principal deles é o que atribui a quem se abstém, a responsabilidade pelos desmandos dos maus políticos, como se o voto anulado automaticamente validasse tudo que há de ruim no sistema. Quando na verdade é o processo político inteiro, dos partidos aos eleitores, que avaliza o atual modelo de representação política, e não apenas quem vota nulo. Outro deslize retórico que é importante apontar é que, em geral, quem ataca o voto nulo acaba fazendo apologia de uma outra modalidade muito mais nefasta para a democracia: o voto útil, aquele que só existe em função da possibilidade de maioria.

Decerto que ainda vivemos em uma democracia incapaz de conduzir à grandes avanços nas instituições e garantir os direitos básicos da cidadania, mas tomar o voto como único instrumento de ação política é distorcer a realidade. A política - aliás um fruto etimológico que tudo tem a ver com a vida nas cidades, as polis gregas - é realizada todo santo dia e, antes dos candidatos que nos envergonham aparecerem risonhos nos santinhos, é exercida por diretores de escola e hospitais, chefes de repartição, professores, guardas de trânsito, policiais, ambulantes e toda uma cadeia de empresas e empresários que mantém negócios com câmaras, tribunais, assembleias e governos de todas as instâncias. A política da vida real vai além do voto e, nas eleições, é necessário admitir que o baixo nível dos candidatos está diretamente ligado ao nível de exigência dos eleitores. Votar sem tomar partido é possível e desprezar isso é acabar pagando de monarquista em pleno século XXI.

Pesquisa from Luiz Carlos Pontes on Vimeo.

Um comentário:

celso muniz disse...

devolvendo a leitura - e agradecendo a sua assiduidade, que muito me envaidece -. estou para ir a joão pessoa já há algum tempo com mais vagar(tenho feito visitas de guarda noturno;) talvez dezembro. o mais certo é janeiro de 2013. espero conhecê-lo( e a sua empresa). de resto, podemos bebericar conversas onde você achar mais conveniente, de preferência em lugar que não seja frequentado por publicitários: afinal,já seremos dois o que em sí já é uma temeridade;)