24 de fev. de 2011

1.0 >2.0




Em tempos de euforia com o poder transformador e revolucionário das redes sociais, que ameaçam regimes totalitários em todo mundo, nada como um quiprocó de condomínio para provar o quanto aqui, nossa noção de democracia é distorcida. Em João Pessoa, a polêmica da desapropriação do Aeroclube da Paraíba e sua repercussão nas redes sociais revelaram que todo o papo de comunicação 2.0 vai por água abaixo quando os interesses 1.0 ditam as regras.

Amparada por uma decisão judicial que, horas antes, lhe garantira a posse do terreno que sedia o Aeroclube da Paraíba, a Prefeitura de João Pessoa decidiu não só ocupar com máquinas e escavadeiras, como também destruir a pista de pouso do aeródromo, mesmo sabendo que ainda cabia recurso. A ação tresloucada gerou repercussão instântanea nas redes sociais e, em pouco tempo, era possível enxergar do alto das timelines no twitter, os estragos causados à imagem da prefeitura. Rapidamente jornalistas e outros setores da opinião pública fizeram côro contra a forma como se deu a ocupação do terreno e, sobretudo, à destruição da pista de pouso. Para piorar, a justiça estadual concedeu liminar reintegrando a posse do terreno ao aeroclube e o imbróglio, que já havia preenchido as pautas do noticiário local, foi parar nos trending topics do twitter no Brasil.

Assim se concebeu a primeira grande crise de imagem da gestão municipal sob o comando de Luciano Agra. Até então, o clima parecia de lua de mel com a opinião pública. A filosofia progressista implantada na capital, que se expandiu para todo o estado com a vitória de Ricardo Coutinho nas eleições de 2010, praticamente desintegrou a oposição partidária e o panorama político foi completamente reconfigurado. Com a docilidade dos principais veículos de comunicação e as benesses proporcionadas pela influência sobre uma sociedade extremamente dependente do poder público, parecia que nada abalaria a imagem de uma gestão democrática, plural e baseada no resgate do cárater público. Parecia...

Mas Luciano Agra evocou Maquiavel e, em uma ação que, se não pode ser classificada como ilegal, foi no mínimo imprópria, implodiu junto com a pista de pouso, parte da imagem democrática que a prefeitura sempre projetou.

Aeroclube da Paraíba e Prefeitura Municipal de João Pessoa perderam juntos uma boa oportunidade enquanto estavam preocupados em transformar uma discussão que poderia ser de interesse público em um embate partidário. Cada lado soltou sua versão em notas oficiais recheadas de acusações e justificativas que escondem, na prática, o descompromisso com a população sobre os reais interesses envolvidos na disputa judicial pela área.

Em que pese parecerem boas as intenções da prefeitura na construção do Parque Paraíba, não se pode deixar de criticar a forma como se conduziu todo o processo de desapropriação. Pior ainda, foi a reação dos responsáveis pela comunicação institucional da prefeitura ao clamor que se seguiu após a destruição da pista. Numa demonstração clara da falta de uma estrutura para gerir crises desta natureza, parte do staff de comunicação da prefeitura limitou-se a defender a ação sob a desculpa de que "cumpriam-se ordens" e que boa parte dos que defendiam o Aeroclube nem sequer conheciam o local, como se isso atenuasse a truculência da ação.

É difícil saber quais são os procedimentos corretos a serem tomados de parte à parte, mas cabe salientar que é a Prefeitura Municipal quem deve maiores satisfações à população. Não basta apenas divulgar que pretende construir um parque no local, se deveria informar quais são exatamente os planos da prefeitura para o local, elencando o que será construído, quais equipamentos estarão disponíveis para a população, os impactos sociais e ambientais da construção e sobretudo, qual a alternativa proposta aos principais acionados na questão - que são, sem dúvida, o Aeroclube e seus associados. Ao invés disso, a Prefeitura preferiu alimentar a sanha político-partidária que paira sobre o problema, tentando desqualificar o Aeroclube reduzindo sua atuação a um grupo elitista composto por alguns poucos privilegiados que querem se colocar acima do interesse público. Uma estratégia que poderia até render dividendos não fosse um pequeno detalhe: há uma instituição civil de utilidade pública federal com direitos adquiridos sobre uma propriedade. Nesse aspecto, pouco importa se o Aeroclube atende a 200 ou a 1000 pessoas. A natureza e as características dos serviços prestados pela associação não diminuem os direitos que esta entidade tem sobre sua propriedade, ainda que existam planos que possam beneficiar uma parcela maior da população.

Em resumo, os fins não justificam os meios e a Prefeitura Municipal deveria ser a última a adotar essa estratégia de confundir as noções sobre o que é público e o que é privado.

Um comentário:

Edu Cury disse...

Acho que é preciso estar muito bem preparado para se rasgar a Constituição e impor-se em nome da maioria, como fez a prefeitura no caso do Aeroclube. A tirania da maioria não é menos ditadora que o inverso. "Governo para todos" não exclui quem tem direito adquirido sem o devido ressarcimento. Ou então, admita-se Robin Hood na secretaria de planejamento.

Os maiores pensadores da modernidade, como Karl Marx e Friedrich Engels, foram mentores da tentativa de construir o "bem comum" na porrada e eles falharam por meio do fracasso da Revolução Socialista, no século passado. É preciso cuidado pra não passar vergonha porque todos haverão de concordar não há um líder carismático genial, com uma questão transformadora da Sociedade, por trás dessas ações tomadas no Aeroclube. Nada que justifique apoio popular ao rompimento do contrato social e ao fim do direito à propriedade. Afinal, estamos falando de um parque municipal ou de uma nova ordem mundial?

Espero que o governo reveja sua postura, coloque esse tipo de comportamento tirano no passado e continue o bom trabalho que fez até aqui.