19 de jul. de 2004

OPERAÇÃO TAPA -TUDO

Tome-se buraco por ausência; vácuo; vazio; lacuna. Mais que cavidade, aqui os buracos são o sinal mais latente de abandono.
A cidade anda atolada num buraco tão profundo que parece impossível medir. Até porque, há tempos que um lento e gradual processo de letargia nos acomete. Covas também são buracos. E à medida que cresce nossa insensibilidade, um tom apocalíptico ajuda a constatar que realmente, há um buraco para cada um de nós. Sem saber o que fazer, a cidade assiste impassível a metástase dos buracos, desenganada pelas autoridades. A culpa, fácil constatar, é da chuva. Precipitada por natureza, ela causou todos os males e, pior, evitou que se aplicasse logo o remédio para a cura das mazelas. Fez de vítima todos nós aqui, lá no interior, mais perto do que a gente podia imaginar. Precipitação combinada com falha na fundação, lá no começo, na raiz do problema. E mais um buraco preencheu de vazio a existência de milhares. Manchete de primeira do Jornal Nacional, a precipitação, a falha, o buraco e a tragédia fizeram parte da programação durante alguns dias. O poder público no Brasil sempre soube da importância de audiências para a resolução dos problemas, aqui, no nosso interior, não foi diferente. Nem seria diferente na nossa tragédia cotidiana. Havia, antes de tudo acontecer, um plano de ação ostensiva contra a proliferação dos buracos nas principáis vias da cidade. Era a sonora e popular, Operação Tapa-Tudo que, por causa das chuvas, não pôde ser iniciada. Ainda bem. Houve tempo para percebermos que buracos maiores estavam nas nossas caras, casas e escolas. Em horário nobre, uma estatística pobre, demonstrava por A+B que nossas crianças e escolas tinham falhas terríveis, falhas na fundação, um buraco na aprendizagem, falhas na raiz de uma tragédia maior. Pior que qualquer buraco é a ausência. É a constatação de que nós estamos na “lanterna de um futuro que virá”. Pior é saber que a Operação Tapa-Tudo, está dando muito certo, antes mesmo de começar.
 
EXTRA
 
Existe uma coisa interessante que lembrei assim que soube que escreveria sobre buracos. Senão todo mundo, muitos sabem que a Globo, em geral, sempre deixa “deixas”, anunciando as trilhas sonoras de suas novelas. Assim, se formou uma geração de pessoas que decoravam sempre partes de canções de muito sucesso. É o que a gente pode nomear, aqui na brincadeira, de One Part Hit. Essas “deixas” servem para tapar os buracos proporcionados pelos espaços comerciais e as chamadas dos programas.
 

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